A peculiaridade
Todo mês, a mesma chuva. A mesma chuva com, mais ou menos, 15 homens. Todos vestidos de paletó preto. Todos inexpressivos. Todos com o mesmo pensamento. Todos iguais. Nada diferente.
Em uma cidade toda cinza e sem graça, com casas padronizadas e rodeada de indústrias, habitavam apenas homens. Homens todos iguais, com a mesma rotina diária, desde que a sua chuva os trouxera a este lugar sem vida. Mas, sem vida? Por que me referi a essa cidade com essas palavras se há seres vivendo nela? Bom, existem seres vivos, porém, neles não há exatamente uma vida. Acordam, vão para o trabalho, passam o dia inteiro poluindo os pulmões com a fumaça das indústrias e voltam para casa. Da habitação para o trabalho, do trabalho para a habitação. Sempre a mesma rotina.
Passam-se os meses e a população vai crescendo com as chuvas. Apenas homens. Julho, agosto, setembro, outubro... E, então, novembro. Quando, no meio da chuva de masculinidade, chegou uma peculiaridade. Algo estranho, nunca visto antes. Uma mulher. Todos os olhares voltaram-se a ela. O que era aquilo e como foi parar ali? Que chuva esquisita!
A mulher foi à procura de trabalho, como todos os habitantes. Mas nenhuma indústria gostaria de contratá-la. Afinal, como fazer um negócio crescer com uma mulher nele? Nunca arriscariam algo assim. Ela desistiu. Percebeu que não seria contratada. Não importa o que fizesse, seria sempre a mesma resposta: “Desculpe-me, não necessitamos de mais empregados.”. E sempre com os mesmos olhares.
Evitava sair de sua casa. Sentia-se como um peixe fora d'água naquela cidade. Era diferente, muito diferente. Quando andava pelas ruas, recebia os mesmos olhares desprezíveis, que deixavam a mensagem clara: “Você não deveria estar aqui.”.
Passou-se o mês de novembro e já estava exausta. Chegou dezembro e, com ele, a mesma chuva. Homens, homens, homens... De repente, outra peculiaridade. Uma mulher. Os olhares de ambas se encontraram. Dois sorrisos surgiram. Não estavam sozinhas.

Conto fantástico escrito a partir da inspiração do quadro "Golconda" de René Magritte.
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